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Os adultos perguntam com frequência o que acontecerá aos livros quando as crianças deixam de os ler. Talvez esta seja uma resposta: «Nós carregá-los-emos todos em enormes naves espaciais e enviá-los-emos para as estrelas!» Uau...! Os livros são realmente como estrelas num céu nocturno. Há tantos, não podem ser contados e frequentemente estão tão longe de nós que não ousamos procurá-los. Mas imaginem só como ficaria escuro se um dia todos os livros, esses cometas no nosso universo cerebral, partissem e cessassem de fornecer essa energia ilimitada da imaginação e do conhecimento humanos... Valha-nos Deus! Vocês dizem que as crianças não podem compreender uma ficção científica como esta?! Muito bem, eu viajarei para a terra e permitir-me-ei recordar os livros da minha própria infância. De qualquer maneira, isto é o que me veio à mente quando eu estava a olhar para a Ursa Maior, a constelação a que nós, Eslovacos, chamamos «Grande Carroça», porque os meus livros mais preciosos me chegaram numa carroça... Isto é, não chegaram inicialmente a mim, mas à minha mãe. Foi durante a guerra. Um dia, estava ela à beira da estrada quando passou chocalhando uma carroça – uma carroça de feno atulhada de livros e puxada por uma parelha de cavalos. O condutor disse à minha mãe que estava a transportar os livros da biblioteca da cidade para um lugar seguro, para impedir que fossem destruídos. Nesse tempo a minha mãe era ainda uma menina pequena, ansiosa por ler, e à vista daquele mar de livros os olhos dela iluminaram-se como estrelas. Até então só tinha visto carroças cheias de feno, palha ou talvez estrume. Para ela uma carroça cheia de livros era como algo saído de um conto de fadas. Arranjou coragem para pedir: «Por favor, não poderia dar-me ao menos um livro dessa grande pilha?» O homem sorriu, assentiu, saltou da carroça abaixo, desatou um dos lados e disse: «Podes levar para casa todos os que caírem no caminho!» Alguns volumes caíram ruidosamente na estrada poeirenta, e pouco depois aquela estranha carroça já tinha desaparecido numa curva da estrada. A minha mãe apanhou os livros, com o coração a bater furiosamente de excitação. Depois de lhes limpar o pó, verificou que entre eles, perfeitamente por acaso, havia uma edição completa dos contos de Hans Christian Andersen. Nos cinco volumes de várias cores não existia uma única ilustração, mas aqueles livros iluminaram milagrosamente as noites que a minha mãe tanto temia. Isso acontecia porque durante aquela guerra ela tinha perdido a sua própria mãe. Quando lia aqueles contos ao serão, cada um deles era para ela um pequeno raio de esperança, e com uma imagem tranquila no coração, pintada com pestanas meio fechadas, podia adormecer sossegadamente, pelo menos durante um bocado... Os anos sucederam-se e aqueles livros passaram para mim. Eu levo-os sempre comigo pelas poeirentas estradas da minha vida. De que poeira é que eu falo, perguntam vocês? Ah! Talvez eu estivesse a pensar na poeira de estrelas que se instala nos nossos olhos quando nos sentamos numa cadeira a ler numa noite escura. Isto é, se estivermos a ler um livro. No fim de contas, nós podemos ler todo o tipo de coisas. Uma face humana, as linhas da palma de uma mão, e as estrelas... As estrelas são livros num céu nocturno e iluminam a escuridão. Sempre que eu duvido se vale a pena escrever mais um livro, contemplo o céu e digo para mim próprio que o universo é realmente infinito e que ainda deve haver lugar para a minha pequena estrelinha.


 


 Ján Uličiansky


 

publicado por MariaLua às 10:03