ESTORIAS DE LUA

pesquisar

 
Segunda-feira, 20 / 12 / 04

Natal

 

mestrecavaleiro.jpg

 

 

 

 

Nota da autora:

 

Nos ultimos tempos tenho-me sentido bastante desmotivada para escrever seja o que for (nem sei bem porquê). Tenho também estado com uma carga extraordinária de trabalho que me tem deixado quase sem tempo para respirar. Mas perante a quadra que se avizinha não quis deixar de colocar este post. Dentro dele está todo o carinho do mundo e votos de um Santo Natal.

Este conto é da Sophia e foi o  escolhido por mim para contar nesta quadra aos que têm vindo a assistir às minhas sessões de contos.

Beijinhos.

 

Maria Lua

 

 

O CAVALEIRO DA DINAMARCA

 

 

"A Dinamarca fica no Norte da Europa. Tem Invernos muito gelados com noites muito longas e dias curtos. Tudo se enche de neve com excepção dos pinheiros por causa das agulhas duras e brilhantes. Há muitos anos, centenas de anos mesmo existiu uma grande floresta que tinha muitas árvores mas grande parte dela era coberta por pinheiros e era exactamente nessa zona dos pinheiros que morava o cavaleiro desta história e a sua família. Viviam numa casa que tinha à frente o maior pinheiro da floresta. A maior festa do ano era a festa de Natal numa comprida noite no centro do inverno. Nessa altura havia sempre uma grande azáfama na casa do cavaleiro. Juntava-se a família, vinham os amigos e parentes, os criados da casa e os servos da floresta. Muitos dias antes já se limpava toda a casa encerando-a e polindo-a para de seguida se enfeitar. E o cozinheiro começava a fazer todas as iguarias. Lá fora na noite de Natal havia gelo, vento e neve. Mas na casa do Cavaleiro havia calor, luz, riso e alegria. Armava-se uma mesa muito comprida onde todos se sentavam e ceavam. Após a ceia começava a narração de histórias lindas. A noite de Natal era igual todos os anos. Até que certo Natal aconteceu uma coisa que ninguém esperava. Logo após a ceia o Cavaleiro voltou-se para a sua família, amigos e criados e disse que no próximo ano não estaria ali com eles. Explicou-lhes que havia decidido partir em peregrinação à terra Santa onde pretendia passar o próximo Natal na gruta onde Cristo nasceu mas prometeu também a todos que passado esse Natal regressaria a casa e passaria com todos o Natal dali a dois anos. Naquele tempo as viagens eram longas, perigosas e difíceis. Não existiam os meios de transporte que hoje conhecemos e que permitem viajar muito rápido. Então os peregrinos tinham de se deslocar de barco ou de burro ou cavalo e ir da Dinamarca à palestina era uma grande aventura pois a distância entre os dois países é de mais de 5000 quilómetros. O cavaleiro deixou a sua floresta na primavera seguinte tendo embarcado no porto mais próximo e levado por bons ventos que sopravam de norte para sul chegou muito antes do Natal às costas da Palestina. Dali seguiu com os outros peregrinos para Jerusalém e no dia desejado estava na gruta de Belém onde realizou o seu desejo de peregrino: Rezar a Jesus. Pediu-lhe que pusesse fim às guerras e à miséria. Pediu a Deus que o transformasse num homem de boa vontade capaz de amar os outros e que todos os anjos o protegessem e guiassem na viagem de regresso para que dali a um ano pudesse celebrar mais um Natal com a sua família. Passado o Natal o Cavaleiro demorou-se ainda um Mês na palestina visitando todos os lugares santos e no fim de Fevereiro, despediu-se de Jerusalém e na companhia de outros peregrinos partiu para o porto de Jafa. Entre esses peregrinos existia um mercador de Veneza com quem o Cavaleiro travou grande amizade. Já no mar foram assaltados por uma grande tempestade e o cavaleiro começou a acreditar que já não voltaria a ver a sua terra. Mas, passados 5 dias o vento acalmou e o mar alisou as suas águas e puderam chegar sãos e salvos ao porto de Ravena em terras de Itália. Porém o navio ficou tão estragado que não podia seguir viagem e havia que aguardar que viesse outro. Então, o mercador convidou o cavaleiro para ir com ele para Veneza a sua terra mãe e ficar por lá enquanto esperava puder seguir viagem. O cavaleiro aceitou. Nesse tempo Veneza era uma das cidades mais poderosas do mundo. Nunca o cavaleiro tinha imaginado que pudesse existir no mundo tamanha riqueza e beleza. O mercador alojou-o no seu palácio e durante dias conheceu essas belezas, as noites por sua vez eram passadas em magnificas ceias com as mais refinadas iguarias e excelentes vinhos. Certa noite terminada a ceia, o veneziano e o dinamarquês ficaram a conversar na varanda. Do outro lado do canal estava um sumptuoso palácio. O Cavaleiro quis saber a história daquele palácio e o mercador começou então a contar-lha. “Naquela casa mora Jacob Orso com seus criados, mas antes ali morou também Vanina que era a rapariga mais bela de Veneza sendo Orso o seu tutor. Quando esta era ainda criança prometeu-a a um seu parente e amigo chamado Arrigo. Mas quando Vanina completou 18 anos recusou casar-se com o velho Arrigo alegando que o achava velho e feio. Então a partir desse dia Orso fechou-a em casa e nunca mais a deixou sair sem ser na sua companhia ao Domingo para ir à missa. Durante o resto do tempo Vanina suspirava e bordava no interior do palácio, sempre espiada pelas suas aias. À noite quando Orso e as aias adormeciam Vanina abria a janela de seu quarto e debruçava-se na varanda penteando o s seus longos cabelos louros que eram tão perfumados que de longe se sentia na brisa o seu aroma. E os jovens rapazes de Veneza vinham de noite ver Vanina a pentear-se mas nenhum ousava aproximar-se pois o seu tutor fizera saber por toda a cidade que mandaria apunhalar até à morte quem ousasse namora-la. Um dia cegou a Veneza um homem que não temia Orso ou qualquer outra pessoa. Chamava-se Guidobaldo e era capitão de um navio. O seu cabelo preto tinha tons azulados como a asa de um corvo e a sua pele estava queimada pelo sol e pelo sal. Nunca naquela terra passara tão belo navegador. Certa noite quando Guidobaldo se passeava na sua gôndola perto de um canal junto ao palácio de Vanina, sentiu no ar o maravilhoso perfume dos seus cabelos e sentiu o seu coração despertar e então quando viu Vanina foi amor à primeira vista. Aproximou-se dizendo-lhe que aqueles cabelos mereciam ser penteados por um pente de ouro. Vanina igualmente apaixonada sorriu-lhe e atirou-lhe o seu pente de marfim. Na noite seguinte à mesma hora o jovem capitão tornou a passar na sua gôndola frente à varanda de Vanina. Esta sorriu-lhe dizendo: - Hoje não me posso pentear porque não tenho pente... ao que Guidobaldo respondeu: - Tens este que te trago e que mesmo feito de ouro brilha menos do que o teu cabelo. A partir desse dia a rapariga mais bela de Veneza passou a ter namorado. Ao fim de um mês Guidobaldo foi falar com o tutor da rapariga pedindo-a em casamento e este não só lhe deu o Não como resposta como o ameaçou de morte dando-lhe 24 horas para deixar Veneza. Guidobaldo porque era um verdadeiro cavalheiro não respondeu mal ao velho. Fez-lhe uma vénia e retirou-se do palácio mas nessa mesma noite atirou uma escada de seda a sua amada por onde esta desceu suavemente de cabelos soltos ao vento cobrindo-a depois com a sua capa escura tendo-se ambos afastado na gôndola e sumindo no nevoeiro de Outubro. Na manhã seguinte quando as aias descobriram a ausência de Vanina correram a prevenir Orso. Mas ninguém pode fazer mais nada porque nessa altura já Vanina e Guidobaldo haviam casado na capela dos marinheiros e navegado para o largo e nunca mais foram encontrados. Quando terminou a narração o mercador encheu dois copos de vinho e bebeu com o cavaleiro à saúde das personagens da história. E assim em conversas, festas, ceias e passeios se passou um mês. O mercador propôs ao cavaleiro que este fosse seu sócio e ficasse com ele a gerir os seus negócios. O cavaleiro agradeceu-lhe mas informou-o que queria cumprir a sua promessa para com a família e que partiria dali a três dias. Antes da partida o mercador deu-lhe a morada de um amigo seu de Florença: O banqueiro Averardo onde o Cavaleiro poderia pernoitar na sua viagem de regresso. No princípio de Maio chegou a Florença e logo se deslocou a casa do Banqueiro Averardo que o recebeu muito bem e o hospedou em sua casa. Era uma casa diferente da do mercador onde se respirava arte e cultura. Existia uma biblioteca cheia de manuscritos muito antigos e as paredes de toda a casa estavam cobertas de quadros com pinturas maravilhosas. A casa do banqueiro estava sempre cheia de amigos que falavam de arte, de cultura e de todas as ciências possiveis e imaginárias. Até parecia que toda a sabedoria da terra estava reunida naquela sala. Uma noite durante a ceia falaram de Giotto e o cavaleiro quis saber de quem se tratava. Então Fillipo um dos amigos do banqueiro explicou-lhe que Giotto havia sido um discípulo de Cimabué o primeiro pintor de Itália e começou então a contar a sua história. Um dia quando Cimabué regressava de mais uma das suas viagens encontrou a meio do caminho num lugar bastante solitário um penedo muito grande repleto de desenhos cheios de beleza e verdade e ficou de tal forma maravilhado que quis descobrir quem seria o seu autor. Apeou-se da sua montada e descobriu que pertenciam a um pastor que desenhava enquanto guardava o seu rebanho. Ficou de tal forma maravilhado que fez dele seu discípulo e o converteu no pintor mais célebre daquele tempo. Tendo este anos mais tarde feito o retrato de um dos seus amigos: Dante, o maior poeta de Itália”. Houve um silêncio profundo quando Fillipo acabou de falar. Com o tempo o Cavaleiro começou a ficar maravilhado com tudo o que já tinha aprendido desde a sua chegada. E resolveu demorar-se algum tempo mais naquela cidade. E foi assim que se passou mais um mês. No final desse tempo o banqueiro vendo o entusiasmo do cavaleiro para as novas artes e ciências propôs-lhe sociedade nos negócios. Mas como já era de prever o cavaleiro recusou a oferta e falou da sua promessa à família e decidiu partir dali a três dias. Então o Banqueiro Averardo deu-lhe uma carta de recomendação para um rico negociante Flamengo da Flandres, seu cliente e amigo pessoal. E o cavaleiro partiu. Já a pouca distância do seu destino o cavaleiro adoeceu. Tremendo de febre foi bater à porta de um convento onde foi recolhido. Os frades trataram-no com chás de raízes secretas e pós misteriosos e esforçaram-se imenso para o salvar. Parecia que o cavaleiro tinha o sangue envenenado. Só ao fim de 2 meses e meio de tratamento, paz e descanso o cavaleiro ficou capaz para prosseguir viagem. Quando chegou ao grande porto de mar era já o fim de setembro e todos os navios que seguiam para a Flandres haviam já partido. Percorreu o cais de ponta a ponta mas toda a gente lhe respondeu o mesmo: Só dali a vários meses poderia arranjar navio para a Flandres. Primeiro o cavaleiro ficou desesperado, depois decidiu seguir a sua viagem a cavalo. E assim fez. Após muito tempo e muito esforçou chegou. Nessa altura já a neve cobria os telhados e os campos. Dirigiu-se então para Antuérpia onde procurou o tal negociante flamengo. Este recebeu-o muito bem e de pronto convidou-o logo para cear. O cavaleiro espantou-se imenso com o paladar da comida que estava temperada com especiarias que ele não conhecia. E o negociante riu-se e disse-lhe: “Vê-se logo que conheces mal o mundo novo” o cavaleiro ficou um pouco aborrecido com estas palavras e começou a narrar a sua longa e atribulada viagem. Quando terminou o negociante disse-lhe que ele tinha contado uma bela história mas que dali a pouco chegaria alguém que contava histórias muito mais espantosas. E assim foi. Passado pouco tempo apareceu na casa do negociante um dos capitães dos seus muitos navios que partira à descoberta de novas terras até ali desconhecidas. Terras essas onde existiam culturas diferentes e fartura de tesouros quase inexistentes na civilização do Cavaleiro como por exemplo: Pérolas, Ouro e pimenta. E então o capitão começou a contar as suas viagens de descoberta dessas terras distantes onde nenhum homem ousara ir até aquela data. No dia seguinte o cavaleiro disse ao negociante que desejava seguir viagem por mar para a Dinamarca. O negociante afiançou-lhe que navio nenhum arriscaria fazer essa viagem. Esta notícia deixou o cavaleiro consternado e foi então que o negociante lhe propôs associar-se-lhe e mais uma vez o Cavaleiro contou da sua promessa à família. Então o negociante ofereceu-lhe um cavalo para que este pudesse seguir viagem por terra. Foi realmente uma viagem difícil e quase impossível de se realizar. Só podia viajar de dia e mesmo assim o frio gelava-o até aos ossos. Quando se sentia quase a desistir lembrava-se da sua família e do que lhes tinha prometido. Então rezava a Deus e pedia-lhe que lhe desse forças para continuar. Finalmente na ante véspera de Natal ao fim da tarde chegou a uma pequena povoação que ficava a poucos quilómetros da sua floresta. Ai foi recebido com grande alegria pelos seus amigos que após tão longa ausência já o julgavam morto. Um deles hospedou-o em sua casa e emprestou-lhe um cavalo pois o do Cavaleiro vinha exausto e coxo. O cavaleiro pediu notícias da sua família e o amigo disse-lhe que esta passava o tempo à sua espera e a rezar pelo seu regresso. Na madrugada seguinte o cavaleiro partiu. Era o dia 24 de Dezembro. Um dos dias mais curtos do ano. Cavalgou com grande pressa pois queria aproveitar as poucas horas de luz. E penetrou na grande floresta. A alegria de estar tão perto dos que amava fazia-o esquecer o cansaço e o frio. Após dois anos de ausência aquela floresta parecia-lhe agora estranha e labirínticos só os pinheiros deixavam ver as suas agulhas verdes, tudo o resto era branco de neve e o cavaleiro perdeu-se na densidade da floresta quando a noite estava já a surgir. Sentia que não podia desistir pois a sua mulher e filhos esperavam-no. Ao recordar-se deles sentiu-se desesperar. E foi no momento de maior desespero e pensando neles que decidiu rezar a oração dos anjos. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.- Então e como que por milagre na massa escura dos arvoredos começou ao longe a crescer uma pequena claridade. - Deus seja Bendito, murmurou o cavaleiro. - Deve ser uma fogueira  a minha reza foi ouvida. E juntando todas as suas forças homem e montada retomaram a marcha. A luz crescia à medida que se aproximavam subindo do chão para o céu e tomando a forma de um cone. Agora toda a floresta se iluminava. - Que maravilhosa fogueira pensou o cavaleiro nunca vi uma fogueira Tão bela. Mas quando chegou em frente da claridade viu que esta não era uma fogueira pois tinha chegado a casa e a claridade provinha do grande pinheiro que ficava frente a esta a maior árvore da floresta e que estava coberta de luzes porque os anjos do Natal a tinham enfeitado com dezenas de pequenas estrelas para guiar o cavaleiro.

 

E reza a história que é por isso que na noite de natal se iluminam e decoram os pinheiros".

publicado por MariaLua às 20:49
Quarta-feira, 01 / 12 / 04

Sentir...

 

janelao1.jpg

 

 

A Moça Tecelã

Por Marina Colasanti

 

"Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos  do algodão  mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

- Uma casa melhor é necessária - disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

- Para que ter casa, se podemos ter palácio? -perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

- É para que ninguém saiba do tapete - ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: - Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta.  Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte".

 

 

Texto extraído do livro Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento, Global Editora , Rio de Janeiro, 2000 

 

publicado por MariaLua às 22:25
Este é o lugar dos Contos e das imagens. Aqui estará SEMPRE no mundo da "Lua" onde é obrigatório SENTIR. Seja bem Vindo!

mais sobre mim

pesquisar

 

Dezembro 2004

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

últ. recentes

mais comentados

subscrever feeds

blogs SAPO


Universidade de Aveiro