O pano fechou-se.E a sala está agora vazia. A peça de teatro de uma vida inteira acabou. E a tal avó partiu para o lugar das aves felizes onde o tempo não acaba nunca e guarda consigo o rótulo da eternidade. Deixa cá em baixo uma enormidade de sentimentos, de vazios e de palavras por dizer (que neste momento me faltam e me transformam numa amnésica). Partilho convosco a minha dor e conto-vos um segredo: Tudo o que sei hoje da arte de contar contos devo-o a essa senhora que para mim foi a melhor contadora de histórias de sempre e como forma de homenagem aqui fica um conto:
O Vestido Azul
Num bairro pobre de uma cidade distante, morava uma menina muito bonita que frequentava a escola local. A sua mãe não tinha muito cuidado e a criança quase sempre se apresentava suja. As suas roupas eram muito velhas e maltratadas. O professor ficou penalizado com a situação da menina. "Como é que uma menina tão bonita, pode vir para a escola tão mal arranjada?". Separou algum dinheiro do seu salário e, embora com dificuldade, resolveu comprar-lhe um vestido novo. Ela ficou linda no vestido azul. Quando a mãe viu a filha naquele lindo vestido azul, sentiu que era lamentável que sua filha, vestindo aquele traje novo, fosse tão suja para a escola. Por isso, passou a dar-lhe banho todos os dias, a pentear os seus cabelos, a cortar as suas unhas. Quando acabou a semana, o pai tendo reparado na diferença da sua filha disse: "mulher, não achas que é uma vergonha que a nossa filha, sendo tão bonita e bem arranjada, more num lugar como este, caindo aos pedaços? Que tal você ajeitar a casa? Nas horas vagas, eu vou dar uma pintura nas paredes, consertar a cerca e plantar um jardim." Dias depois, a casa destacava-se na pequena vila pela beleza das flores que enchiam o jardim, e o cuidado em todos os detalhes. Os vizinhos ficaram envergonhados por morar em barracas feias e resolveram arranjar também as suas casas, plantar flores, pinta-las de novo e usar a criatividade. Em pouco tempo, o bairro todo estava transformado. Um homem, que acompanhava os esforços e as lutas daquela gente, pensou que eles bem mereciam um auxílio das autoridades. Foi ter com o presidente da câmara e expôs as suas ideias tendo saido de lá com autorização para formar uma comissão para estudar os melhoramentos que seriam necessários ao bairro. A rua de barro e lama foi substituída por asfalto e calçadas de pedra. Os esgotos a céu aberto foram canalizados e o bairro ganhou ares de cidadania. E tudo começou com um vestido azul. Não era intenção daquele professor consertar a rua toda, nem criar um organismo que socorresse o bairro. Ele fez o que podia, deu a sua parte. Fez o primeiro movimento que acabou por fazer com que outras pessoas se motivassem a lutar por melhorias.
Todas as pessoas têm uma missão na terra. Penso que a missão de minha avó foi a de transmitir contos, sonhos e imaginação (já que a verdadeira vida de sonho lhe foi roubada e nunca a deixaram ser criança). E agora mais do que nunca tenho a certeza de que quero continuar essa missão e continuar cada dia mais empenhada nessa minha profissão de contadora de sonhos e de segredos.
Até sempre "vó".
Maria Lua