ESTORIAS DE LUA

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Sábado, 28 / 08 / 04

Olá mãe... Hoje é o teu dia

 

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Parabêns minha querida. Deixo-te um beijo, o "teu" bolo, e o teu poema favorito. Salvé o dia 29 de Agosto!!!

 

Maria Lua

  

 

 

 

No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora,
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa:
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me-

às vezes ainda sou o menino que
adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

Ainda ouço a tua voz:

Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal ...
Mas - tu sabes - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


(Eugénio de Andrade)

publicado por MariaLua às 21:55
Quarta-feira, 25 / 08 / 04

À Tal Avó...

 

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(Esta não é a avó MARIA mas poderia ser.)

 

 

 

Nota de Edição: A clã da minha familia de quem tenho vindo a falar assiduamente neste blog como um dos amores da minha vida está novamente no hospital... desta feita com uma pneumonia aos 90 anos. Está a recuperar mas... Doi-me imenso vê-la a perder faculdades fisicas e senti-la com uma mente muito jovem que não aceita as transformações do seu corpo. A ´familia é realmente como uma àrvore, os ramos mais antigos vão murchando para dar lugar aos mais jovens e tudo isto é complicado e simples ao mesmo tempo... PRECISO DA VOSSA ENERGIA... Beijos

 

Querida Maria...

 

Falar de ti é difícil. Para falar de ti tenho de falar de mim antes e das mudanças que operaste dentro do meu ser. Foi como se tudo em mim tivesse encerrado para obras e voltasse depois de muita coisa reconstruída. Contigo aprendi a pensar a vida e a aterrar as ideias. Aprendi a confiar no amanhã, a sentir presenças mesmo que distantes e a partilhar sonhos e loucuras sem receio de me magoar. Sinto-me hoje uma pessoa mais válida, mais crescida, mais responsável, mais adulta. E foste tu mesmo com as nossas divergências e diferença de idade que me fizeste mudar assim e sorrir perante a vida. Contigo, sinto-me envolta num misterioso mundo de seguranças e ternuras compartilhadas, é como estar ligada ao cordão umbilical outra vez. O teu coração e as tuas intenções perante o mundo são puras, bonitas e muito honestas. Penso que a palavra paz é a que melhor te define, foi essa paz que procurei durante toda a minha vida e porque te admiro muito quando for grande quero ser como tu (...) Será mais fácil para mim.

Falar de ti é falar de uma pintura famosa de um pintor realista, por exemplo Van Gogh e os seus serenos campos de trigo (que tu ceifaste tantas vezes) onde tudo parece estar no lugar e ser perfeito. Falar de ti é viver a brisa de um fim de tarde de verão. Falar de ti é sentir coisas bonitas e serenas e de tudo o que é belo, real e valioso.

Pensar em ti traz-me lampejos de ternura que desejo despejar e que me embriagam de sonhos por viver. Mas não quero apenas recordar-te: quero viver sabendo da tua presença em mim, e tal como fazias quando era pequena quero agora pôr a tua cabeça no meu colo e cantar-te canções de embalar. Contigo, quero ainda caminhar sobre o fogo sem me queimar. Quero ficar de mãos dadas e voar sobre o mundo e as suas preocupações. Quero viver as coisas mais lindas, os sonhos mais doces e descobrir todos os teus tesouros. És a estrela mais brilhante do meu céu, sabes? Gostava de a guardar dentro de uma caixa e ficar com ela só para mim eternamente. Mas as estrelas fizeram-se para iluminar os céus do mundo e brilhar para todas as vidas (...) 

 

Mas tenho a certeza que sempre me deixarás o teu brilho...

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 11:53
Quinta-feira, 19 / 08 / 04

"Balanço" (com labirinto dentro...)

 

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 (Finalmente um post sobre mim! Yes!!!!)

 

Apesar de me sentir diferente por dentro tenho como único objectivo, o mais comummente desejado por todos os mortais: Ser Feliz.

Vejo a vida como um labirinto. E é nesse labirinto que nos encontramos e perdemos tantas vezes. Nele estão todos os caminhos e metas felizes ou menos felizes que temos de percorrer até encontrar a nossa saída. Durante essas caminhadas pelos seus longos túneis encontramos pessoas que nada mais são do que companheiros de viagem. Pessoas que nos ajudam a descobrir com amor ou até com dor o nosso melhor/pior caminho. Às vezes acontece entrarmos em túneis que julgávamos não existirem e encontramos pessoas maravilhosas que nos ajudam a definir rumos e objectivos, outras vezes perdermos o rumo iludidos por túneis que não são mais do que buracos de luz reais ou imaginários que mais tarde se descobre serem buracos negros... mas até estes são de extrema importância no preenchimento das nossas lacunas e metas propostas a caminho da felicidade que nem sabemos se existe (...) De qualquer forma e porque o homem é um ser adaptável à realidade existem sempre momentos felizes e esses já nos trazem alegrias, prazeres e sabedoria q.b. Estou assim, a viver a minha viagem de descoberta por tudo o que existe, dentro do tempo que me foi concedido vaguear por cá... E o ESTORIAS DE LUA tem-me vindo a ajudar a (re) acordar para a vida e a descobrir novos canteiros de papoilas. Todas as imagens e histórias que tenho postado vagueavam perdidas na minha mente. São histórias que mesmo parecendo isoladas e sós pertencem a um todo. E foram retiradas da parte mais oculta e sensível de mim.

  

Obrigada a todos por existirem, por me lerem, por comentarem pois sem vocês este blog não teria qualquer significado!

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 12:09
Terça-feira, 17 / 08 / 04

Viagens Azuis

 

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NOTA DE EDIÇÃO:

 

A pedido da "FREGUESIA" aqui estou a "postar" mais uma vez. Tenho pena de não puder vir aqui mais vezes ou comentar os vossos blogs mas acontece que ao contrário de muitos de vós estou cheia de trabalho. Em breve talvez possa dar-vos mais informações sobre esta minha sobrecarga de trabalho. Aguardem para ver. Beijos grandes (e no coração) para todos . 

 

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado. Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos, com os livros atrás a arder para toda a eternidade. Não os chamo, e eles voltam-se profundamente dentro do fogo. -Temos um talento doloroso e obscuro. Construímos um lugar de silêncio. De paixão.

 

Herberto Helder

 

Ao "Manel"

 

 

"Já nem me lembro bem quando e onde te conheci. Talvez tenha sido quando ainda no ventre de minha mãe tinha sonhos bonitos. Ou mesmo antes, quando vivíamos ainda no mundo das essências de Platão. Só sei que te conheci e pronto. A partir daí foi impossível voltar atrás. Quando existem buracos ou fendas nos meus caminhos lá estás tu sempre disposto a cobri-los de pétalas de rosa. Escutas os meus pensamentos e às vezes recontas-mo-los de uma maneira mais lógica, mais viável e ainda mais a meu gosto. És o que sorri e que sabe transformar sorrisos em conselhos bons e momentos de magia. És o ilusionista perfeito. O ilusionista da minha alma. Tornas especiais os meus momentos mais banais e vazios. Basta a tua presença, o teu olhar doce a tua voz calma e confortante para sentir vontade de avançar e lutar por mim. Já me partilhei tanto contigo como comigo própria. Talvez por isso não saiba dizer onde é que eu acabo e tu começas. É que sabes, já fazes tão parte de mim que me é difícil conseguir separar-nos como dois corpos autónomos. Obrigada AMIGO por existires e por mesmo estando longe, estares SEMPRE aqui"...

 

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 12:48
Quinta-feira, 12 / 08 / 04

Grito

 

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Às duas por três ficamos perdidos na altura de um grito onde as palavras nos murmuram sonhos que não realizamos e é apesar de tudo nesse grito que se encontra a esperança de mudar o que não foi feito...

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 01:09
Terça-feira, 10 / 08 / 04

"Longe de mim"

 

 

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Nota de Edição:

 

Aqui fica mais um texto sobre alguém que intui. Mais uma vez quero que os meus estimados leitores saibam que os sentimentos que esvazio neste post nada têm a ver com o meu sentir em relação há vida. Estou bem sinto-me feliz, sinto-me forte. Mas a pessoa sobre a qual escrevo nem por isso. E porque sou uma contadora de histórias senti necessidade de vos contar a sua "Estória" Beijinhos para ela e "aquele" abraço.

  

 

"Sinto-me gasto. Passei muito tempo a olhar este mar... acho mesmo que as suas vagas me ultrapassaram e cegaram. Talvez fosse esta uma forma de lembrar o que deixei lá. O meu mar é mais azul, e o meu sol é mais presente é mais quente. Confesso que já não me lembro bem do seu calor em mim. Já foi há tanto tempo: dezassete anos, dezassete anos que mais me parecem dezassete séculos, aqui à espera de um barco para me levar para onde pertenço e sem nunca saber se vem. Tem vezes que venho aqui e até me esqueço do que vim fazer. Mas tenho de vir. Sento-me sempre no mesmo sítio. E quando está ocupado volto mais tarde e esvazio então os pequenos mares dos meus olhos na imensidão deste. Vim para cá em busca de uma melhor resposta à minha existência. Na altura achava que só isso era importante. E que eu era auto-suficiente e não precisava de ninguém. Com o desenrolar do tempo descobri que as respostas estavam dentro de mim, não em sítios ou locais. E que eu sozinho não era ninguém. Faltavam-me raízes, um homem sozinho é como um corpo desmembrado. E já dizia o poeta: As raízes dos homens prendem-se à terra onde nascem, onde vivem. Também têm existido bons momentos é certo. Quando quero um corpo tenho esse corpo E posso usá-lo para esquecer. E o prazer vem como um delírio. Mas o certo é que existem momentos em que só um corpo não chega e em que não quero esquecer e preciso de mais. Um cérebro e conversas por exemplo. Mesmo que banais, desde que sentidas. E um colo onde repousar a cabeça. E mimo muito mimo. Preciso e não tenho. E barulhos, muitos barulhos. Crianças a rir. E minhas. Adoro essa ideia. Dou por mim muitas vezes a imaginar a minha família e seus afazeres. Os meus filhos... esses que nunca chegaram a nascer. Penso que agora queria ter tudo do que fugi. Plantaram lá, mais uma pequena flor na nossa árvore genealógica. Assim ainda me é mais difícil estar aqui sem o ver crescer. O meu menino. Uma semente que sinto ter ajudado a semear e que também me pertence. Estou mais lá do que cá. É verdade. Aqui prendem-me os amigos, os que iguais a mim passam pelas mesmas solidões, os que também escutam o Postal dos Correios dos Rio Grande e choram sorrindo para que ninguém perceba, e dizem que não podemos ser pimbas e dramáticos. E vai mais um copo para esquecer!!! Como resposta aos meus momentos sem resposta tenho a minha guitarra e os gemidos que dela consigo tirar e que não mostro em público. São gemidos só meus. Afinal fui eu quem escolheu este caminho que sinto estar quase no seu término. E não posso culpar ninguém por isso. Depois será o regresso e o agarrar tudo com ambas as mãos exactamente onde deixei. Só com uma diferença: já tenho cabelos brancos e poucos sonhos. Quero apenas ter uma vida banal. (Nunca me imaginei a dizer isto mas é verdade) Uma vida sem novidades. Mas completa. Sem vazios, já me bastam todos estes anos aqui. Vou regressar. Sei disso. E quero sorrir muito e ficar maravilhado por as coisas não terem mudado. Por os meus espaços serem os meus espaços. E por a minha cidade ter ficado adormecida no tempo. Assim é mais fácil. Quero lá perder o meu tempo para me reencontrar".

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 13:42
Sexta-feira, 06 / 08 / 04

"Roubaram-me as Rosas"

 

 

 

 

NOTA DE EDIÇÃO:

Antes de mais gostaria de dizer a todos os que me lêem e/ou comentam que a minha forma de intuir as pessoas sobre as quais escrevo é colocar-me na sua pele faço-o como se estivesse a falar de mim mas acreditem que tal facto é pura coincidência e apenas uma forma de sentir. Decidi escrever esta nota porque nos comentários aos meus últimos posts fiquei com a sensação de que as pessoas pensam que estou a falar de mim e essa ideia não corresponde de todo à realidade (é possível que existam algumas gotas de lua minhas mas serão apenas nuances). Beijinhos para todos e bom fim-de-semana!

 

 

A um pai, que sente que nunca será muito bem compreendido.... São para ele as minhas Rosas

 

"Não compreendo este frio que me invade a alma. E me faz ter vontade de gritar e ficar sufocado por não conseguir. Não tive uma vida muito boa. Não tive muita sorte. Fiquei só no mundo muito cedo. E isso já é mais do que suficiente para dar cabo da vida de qualquer um. Acho que em pequeno nunca sorri. Só me lembro de o ter feito no dia em que me casei com aquela mulher maravilhosa que veio para tomar conta de mim e para me dar tudo aquilo que nunca tive. E nos dias dos nascimentos de meus filhos. Eram bebés tão lindos ó céus. Tão rosadinhos e perfeitos. Lembro-me que ajoelhei ali mesmo onde estava e agradeci a Deus aquela dádiva de vida. Pedi-lhe que os fizesse felizes um dia e tão honrados e honestos como eu. Nunca fiquei a dever nada a ninguém. A partir daí e para os criar não existiram mais dias Santos, fins-de-semana ou feriados. Quando saia do emprego haviam sempre pequenas e grandes coisas que podia fazer na oficina de forma a fazer entrar mais dinheiro em casa pois os seus sorrisos futuros também se cultivariam se nada lhes faltasse. Queria oferecer-lhes uma vida melhor que a minha, dar-lhes cursos secundários. Com um curso arranjam-se sempre melhores empregos. Deus nunca me abandonou. Sempre que estávamos mais apertados aparecia sempre um biscate para acertar o orçamento familiar. E em questões de equilíbrio e de esticar finanças ninguém melhor do que a minha cara-metade. Tinha tão grandes capacidades de gestão financeira que foi uma pena não ter prosseguido os estudos. Mas são coisas da vida. Depois tornou-se tarde demais. Para quê estudar depois de madura? Ela lia muito. Se calhar era por isso e ao contrário de mim, que tinha tanta facilidade naquilo e em comunicar com as pessoas. Até com doutores imagine-se!!! Mas continuando...havia vezes em que ganhava um pouco mais e vinha para casa todo contente pensando que seria dessa vez que poderia comprar aquela camisa que estava na montra da loja da vila e que namorava há tanto tempo, ou levar a famelga a almoçar fora num domingo depois da missa. Mas triste sorte... chegava a casa e o cano dos lava-loiças tinha estourado, ou o fogão tinha avariado, ou o ferro de engomar não funcionava, ou uma das crianças havia adoecido. E... Bye-bye camisa, adeus sonhos meus. Já não havia folgas de dinheiro nenhumas. (...)

Parei no tempo confesso. Não aprendi muita coisa. Na altura era difícil. Meus pais morreram era eu ainda um menino. Nunca tive ninguém que me ensinasse a apreciar as rosas, e a sentir-lhes o perfume. E ela também se queixava disso. Mas que fazer?! Fui criado pelos velhos da família. Os que viviam em função do passado e das crendices. Que poderia agora esta nova família esperar de mim? Não recebi nada. Não posso dar nada. A não ser a minha honestidade, os meus poucos sorrisos e o meu amor. Que apesar de não saber demonstrar continuo a sentir. Sou um tonto bem sei. Mas um tonto que queria ter tido uma vida diferente, com mais alegrias e menos dores inconformadas. Um tonto que sonhava ser feliz mas que se meteu no transporte errado e foi parar a um sitio totalmente desconhecido e que por isso se perdeu. E que agora sente esta vontade de gritar e não consegue."

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 15:06
Quarta-feira, 04 / 08 / 04

"As respostas que não soube dar" - A minha mãe

 

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Às vezes o amor converte-se mesmo em palavras com asas e significados... e viajamos no tempo sentindo-nos reis de nós mesmos por o "pior" já ter passado (...) Amo-te mãe.

 

  

  

"Olhei-me outra vez ao espelho e limpei as lágrimas no lenço de papel já muito molhado. Não! Definitivamente aquela não podia ser a minha imagem. A imagem que o espelho reflectia não podia ser a da menina que há uns anos de tranças brincava com madeiros e sonhava bonecas e mesmo assim sorria... Aquele véu e grinalda não me pertenciam, eram de outra de certeza. E por isso não sabia o que fazia com eles, não queria usa-los. Nesse momento o meu maior desejo era recolocar as tranças. E tive uma grande certeza: queria continuar a sorrir e a crer no poder das flores. Vieram-me à memória imagens da minha infância: corridas livres pelos campos verdejantes, subidas às árvores, o cheiro da erva, o barulho da água entre as pedras e aquele sol de antigamente que parecia até não ser o mesmo que espreitava hoje, naquele exacto momento pela janela. Queria ser eu própria, dedicar-me a um ideal que me fizesse feliz. Olhar o mundo e suas preocupações e sorrir crendo que o dia seguinte seria melhor que o anterior. E daquela forma achava que isso era impossível. Tinha passado por tantas dores e solidão no passado. Lembrava-me agora da miséria e fome passadas, do esforço doloroso e sofrido de meus pais que haviam regado com seus sangues e suores os campos do Alentejo para que eu tivesse uma vida mais cuidada do que eles. Lágrimas de insegurança e de desespero invadiam-me a alma e espalhavam-se sobre o acetinado do vestido imaculadamente branco como branca era a minha alma. Tanto tempo na espera, acreditando que o amanhã seria melhor que o ontem para agora chegar a isto e ficar assim tão perdida de mim própria. De repente uma lembrança assaltou-me como se de um relâmpago se tratasse: Não podia pensar em mim... ser assim tão egoísta. Não era essa a minha formação religiosa! Desde a infância que me vinham ensinando que se deve sempre praticar o bem, como forma de agradar a Deus. Que fazer felizes os outros é sempre bem visto a Seus olhos, e o meu futuro marido precisava de mim. Era um ser triste e só, nunca encontraria sozinho as suas respostas. Era este de certeza o desafio que o meu Deus me estava fazendo. Tinha que lhe corresponder. E foi com este pensamento que a pouco e pouco fui aceitando o meu “destino” e esquecendo os meus sonhos. Deus ficaria realmente contente comigo se o fizesse. Limpei definitivamente as lágrimas e enfrentei corajosamente o meu "Calvário". Caminhei até ao altar e corajosamente disse o SIM. Uma mártir! Tal e qual aquela imagem deturpada que me deram de Deus. O que nunca ninguém me explicou é que esse “Deus” que faz com que seres puros e simples se “condenem” a si próprios numa existência não desejada para Seu contentamento não é aquele menino que nasceu á Dois mil e tal anos numa manjedoura como símbolo de simplicidade, humildade e humanidade, mas sim um Deus criado á imagem dos homens, que por egoísmo, crueldade e comodidade destes interessa fazer-se propagar".

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 13:50
Este é o lugar dos Contos e das imagens. Aqui estará SEMPRE no mundo da "Lua" onde é obrigatório SENTIR. Seja bem Vindo!

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