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Quando escrevo faço-o sempre intuindo outra pessoa e pondo-me no lugar dela. É estranho mas é-me sempre difícil escrever sobre mim, talvez um dia "saia" entretanto aqui vou eu para dentro dos vossos olhos e quem sabe do vosso coração para falar de alguém que um dia conheci... 

Ah! Exprimentem olhar esta imagem com os "olhos do coração" e pode ser que ela se transforme e crie poderes mágicos como acontece aos desenhos do menino da história. 

  

"E lá estava eu outra vez a recriar as minhas realidades. Não sei porquê. Penso que este dom (se é que se pode chamar assim) nasceu comigo. Nunca consegui ver nas coisas só o que elas são. Para mim estas têm sempre um significado extra-olhos. O mesmo se aplica às pessoas. Não me contento unicamente com o que elas me mostram ser, os olhos são órgãos demasiado falíveis. Tento sempre descobri-las ao máximo. Sou assim uma espécie de vampiro da alma. E perguntam-me vocês se gosto da vida que levo. Bem... apesar de não ser muito agradável sentir esta impressão de que tenho o estômago colado ás costas distraio-me sempre com os meus desenhos e rio-me muito enquanto os faço, consigo mesmo ser feliz, ser mais eu. Basta ter um bocado de carvão e um papel qualquer, que muitas vezes peço à D. Rosa da mercearia, para me sentir bem. Ela acha-me assim meio maluco. - Lá estás tu gaiato outra vez com parvoeiras. - Que vais desenhar desta vez? - A minha dor de cabeça? Ou o sono do tio 'Nastácio? - Olha, desenha a cor do cão fugindo. Ri-se muito de mim a senhora mas depois por pena ou sei lá para além do papel sempre acaba por me oferecer qualquer coisa para comer. Se calhar é por isso que vou lá tantas vezes. É também importante dizer-vos que a minha mãe não se deve preocupar muito quando não apareço para almoçar. - Mais sobra para os outros - deve pensar ela. Não é que ela não goste de mim mas é assim quando a comida não é muita. Sinto-me um ser diferente. Acho que as pessoas da vila não entendem muito bem a minha loucura talvez seja por isso que também não falo com muita gente. Mas não falo mesmo! Não gosto. Desenho-as nas suas vidas e mundos pessoais. É como se fosse um filme mudo onde as personagens apenas aparecem desenhadas. Penso que tenho mais jeito para viver desta forma do que para falar. Não me importo muito que os outros não compreendam e me julguem louco. Pois para mim já é um gozo suficiente reproduzir assim a vida. E sem se aperceberem são eles as peças base das minhas viagens e imaginações. Posso sempre desenhar o que quiser à hora que me apetecer. Até consigo reproduzir no desenho o barulho que as flores fazem a nascer, e o calor do último fio de sol antes deste desaparecer ao final do dia, e a frieza das lágrimas. Consigo desenhar tudo o que quiser. Sou louco e rio-me muito por isso! O frio que sinto nos pés também tem a sua graça. Desenho-o como se fosse um queijo grande onde alguém deu muitas dentadas e por isso já não está completo e ficou pequenino. (Talvez tenha sido um rato. Ou uma ratazana grande.) Mas pelo menos enquanto o desenho como-o antes de todos e isso agrada-me! Sonho um dia quando crescer sair daqui desta terra. Encontrar alguém que entenda o que desenho, e o que sou. Um louco igual a mim, também se for uma louca não me importo. Mas... seja de que sexo for não me obrigar a falar é essencial. Acho que até nos podíamos comunicar unicamente por desenhos. Isso então seria o ideal. Ah! E outra coisa... que não me obrigue a dar beijos. Mesmo quando os recebo não gosto. Fico desajeitado. Nunca aprendi a dá-los... e tenho medo de falhar. Penso que também posso desenha-los e oferece-los. Hum! Que excelente ideia, vai tornar tudo mais fácil! Mas só os faço para pessoas bonitas. Para raparigas bonitas. Para as outras pessoas que não sejam bonitas desenho outra coisa. Bem agora vou ter mesmo que ficar por aqui. O dia já há muito que se pôs e daqui a pouco a minha mãe vem à minha procura e depois trabalha o chinelo. Ui,ui não gosto nada dele. Por isso nunca o desenho. Bem, vou indo mas amanhã vou recomeçar tudo de novo. Não tenho cura!!!"

 

 

Maria Lua

 

publicado por MariaLua às 18:25