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MONUMENTOS VIVOS

 

 

 

Podemos encontra-los nos bancos de jardim onde pregam amor, falam do peso do tempo ou espalham sorrisos e transmitem sabedoria a quem os quiser "ver". Muitos são doentes e subsistem com míseras pensões que não lhes permitem viver como mereciam. Apesar de muitos deles serem incultos e analfabetos detêm de sabedoria suficiente para escrever um bom livro. Apesar de passarem a vida a dar tudo o que têm aos filhos e ao país são muitas vezes desprezados por estes e pouco amados…

 

 

São os senhores do tempo a árvore que enraíza este país e nos faz a todos ser mais legítimos. Por isso no dia em que morrerem este país ficará mais pobre e vazio.

 

 

 

 

 

Envio daqui um bem haja a todos os que têm mais de 65 anos.

 

 

 

 

 

A razão deste texto prende-se com o facto de ter recebido o email que a seguir anexo e o qual me deixou profundamente chocada. Pois se hoje somos o que somos e quem somos tudo lhes devemos.

 

 

 

 

 

AMO-VOS SENHORES INVISIVEIS!

 

 

 

 

 

Maria Lua

 

 

 

 

 

INVISIVEL

 

Já não sei em que dia estamos.

 Lá em casa não há calendários, e na minha memória as datas estão todas misturadas. Recordo-me daquelas folhas grandes, uns primores, ilustradas com imagens dos santos que colocávamos ao lado do toucador. Já não há nada disso. Todas as coisas antigas foram desaparecendo. E sem que ninguém desse por isso, eu também me fui apagando... Primeiro, mudaram-me de quarto, pois a família cresceu. Depois passaram-me para outro menor ainda, com a companhia das minhas bisnetas. Agora, ocupo um cubículo, que fica no anexo da moradia. Prometeram-me substituir o vidro partido da janela, mas esqueceram-se, e todas as noites, entra por lá um ar gelado que aumenta as minhas dores reumáticas. Mas tudo bem... Desde há muito tempo que tinha intenção de escrever, porém passava semanas à procura de um lápis. E quando o encontrava, voltava a esquecer onde o tinha posto. Na minha idade, todas as coisas se perdem facilmente.

 É claro que não é uma doença delas, das coisas, porque estou certa que as tenho, elas é que desaparecem. Uma tarde destas, dei-me conta de que a minha voz também tinha desaparecido. Quando falo com os meus netos ou com os meus filhos, eles não me respondem. Todos falam sem me olhar, como se eu não estivesse ali, ouvindo atenta o que dizem. Às vezes, intervenho na conversação, certa de que o que vou dizer não lhes ocorrera e que poderá ser-lhes muito útil. Porém não me ouvem, não me olham, não me respondem. Então, cheia de tristeza retiro-me para o meu quarto e vou beber uma chávena de chá. Faço assim, de propósito, para que percebam que estou aborrecida, para que compreendam que me entristecem, venham buscar-me e me peçam. Porém, ninguém vem. Quando o meu genro ficou doente, pensei ter uma oportunidade de ser-lhe útil, e levei-lhe um chá especial que eu mesma preparei. Coloquei-o na mesinha e sentei-me à espera que ele o tomasse. Só que ele estava a ver televisão e nem um só movimento me indicou que ele dera conta da minha presença a seu lado. O chá pouco a pouco arrefeceu, e com ele, também o meu coração... Então, um dia destes disse-lhes que quando eu morresse, todos iriam arrepender-se. O meu neto mais pequeno, disse:

-Ainda estás viva avó? Acharam todos, tanta graça, que nem paravam de rir. Chorei três dias no meu quarto, até que uma manhã, entrou um dos rapazes para ir buscar um skate. Nem os bons dias me deu. Foi então que me convenci de que sou invisível... Uma vez, parei no meio da sala para ver, se tornando-me um estorvo, reparavam em mim. Porém, a minha filha continuou a varrer à minha volta, sem me tocar, enquanto os meninos corriam de um lado para o outro, sem tropeçar em mim. Um dia os meninos, agitados, vieram dizer-me que no dia seguinte iríamos todos passar um dia no campo. Fiquei muito contente. Há tanto tempo que não saía, e mais ainda, não ia ao campo! Nesse Sábado, fui a primeira a levantar-me.

Quis arrumar as minhas coisas com calma. Nós, os velhos, demoramos muito a fazer qualquer coisa, e assim, adiantei o meu tempo para não nos atrasarmos. Muito apressados, todos entravam e saíam de casa a correr e levavam as bolsas e os brinquedos para o carro. Eu estava pronta, e muito alegre, permaneci no meu cubículo à espera deles. Quando dei conta, eles já tinham partido e o automóvel arrancou envolto em algazarra. Compreendi então, que não tinha sido convidada. Talvez não coubesse no carro. Ou se calhar, porque os meus passos lentos impediriam que todos caminhassem a seu gosto pelo bosque. Naquela hora, o meu coração encolheu e a minha cara tremeu como quando a gente tem que engolir a vontade de chorar. Eu percebo-os. Eles têem o mundo deles. Riem, gritam, sonham, choram, abraçam-se, beijam-se. E eu, já nem sei qual o gosto de um beijo. Dantes, beijava os pequenitos e era um prazer enorme tê-los nos meus braços, como se fossem meus. Sentia a sua pele macia e a sua respiração doce, bem perto de mim. A sua vida nova dava-me alento e até me dava vontade de cantar canções de que nunca pensara lembrar-me ainda. Mas um dia, a minha neta Joana, que acabara de ser mãe disse-me que não era bom que os anciãos beijassem os bebés. Por uma questão de saúde...Desde então que não me aproximo deles. Não quero transmitir-lhes nada de mau, devido à minha imprudência. Tenho tanto medo de os contagiar! Eu perdoo-os a todos. Porque... Que culpa têem eles, que eu me tenha tornado  I n v i s í v e l?

publicado por MariaLua às 18:59