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Eu nunca soube compreender a flor. Devia ter adivinhado toda a ternura escondida por detrás das suas pobres garras... as flores são tão contraditórias... Esta perfumava-me o planeta todo, mas eu era jovem de mais para a saber amar...                                                             

 

St. Exupery in - O Principezinho

 

"Não entendo. Ela ficou mesmo vidrada em mim. E enfeitiçou-me. Só pode ser. Falava de coisas tão estranhas, mas tão belas ao mesmo tempo. Era louca. Cada vez que aparecia lá enternecia-me eu ficava a ouvi-la como se o que ela dissesse fossem palavras que nunca tivesse ouvido. Tinha uma história gira ela. Gira mas complicada para a maioria das pessoas. Para mim não. Tentei aproximar-me desde o primeiro dia, mas ela nunca me levou a sério. Retorquia-me coisas sem nexo como que para me afastar. Mas, como que instintivamente eu conhecia a sua beleza secreta. Tive acesso a ela não sei como. Soube desde sempre como ela era, surgiu-me quase como uma revelação: uma tonta. Mas uma tonta muito lúcida, muito lutadora. Eu queria-a, sentia que precisava dela. E ela sempre a gozar-me, e a fazer-me sentir um puto. Aquilo ás vezes magoava-me. Apesar de termos treze anos de diferença eu sentia-me igual a ela e totalmente cúmplice na sua loucura. E foi ela que veio ter comigo a primeira vez. Um dia em que o sol brilhou mais forte, os caminhos foram mais largos, as flores mais perfumadas. Adorei a maneira como me abordou. Na altura senti-me honrado por uma pessoa da idade dela vir ter comigo e falar tão bem. Foi lindo esse momento. Lembro-me de tudo como se fosse hoje. Foi bom. Fiquei com vontade de falar com ela mais vezes, mas ela como aparecia desaparecia, tipo história de Cinderela mesmo. Só que nesta história ela nem sequer deixou o sapato de cristal para lhe entregar. Eu soube que tinha de esperar até ela aparecer de novo. Então, e porque me sentia extremamente inseguro fui eu quem decidiu não aparecer durante uns tempos para faze-la sentir a minha falta. Penso que resultou. Quando voltei a aparecer ela estava realmente com muitas saudades minhas. Estava mais carinhosa, mais doce mais atenciosa, mais amiga. Adorei. O coração bateu-me mais forte. E um entusiasmo subiu por mim acima. Ela pediu-me para me ver. Acedi de pronto. Encontramo-nos e foi lindo. Falamos sem parar durante tempos infindáveis. Eu tinha razão. Éramos mesmo iguais. Adorei-a, amei-a mesmo. Mais do que a mim próprio. Á muito tempo que não me sentia tão eu: e tudo graças a ela. Disse-me que era o seu anjo. O tal que há muito esperava e não queria perder. Sorriu-me muito. Que linda ficava quando sorria. Levei-a a casa. Olhou-me longamente e tocou com suavidade seus lábios nos meus. Correspondi. Foi tudo tão espontâneo, que a terra à minha volta tremeu e os pássaros encheram a noite de chilreios. Fiquei ali, parado na mesma posição durante muito tempo totalmente incapaz de me mover mesmo depois dela entrar. Que lindo. Nunca na vida me tinha sentido tão completo. Fui para casa e sonhei com anjos e nuvens. Os dias passaram. Ficamos muito tempo sem nos ver mas, escrevíamo-nos e eu telefonava-lhe todos os dias, e ás vezes até mais do que uma vez. Era tão bom ouvir a sua voz e imaginar o seu cheiro. Estava cada vez mais fascinado por ela. Talvez tenha sido isso que me levou a fazer 1600 quilómetros para a ver. Para a olhar de novo e puder passar mais algum tempo com ela. Fui e gostei do seu abraço e da sua alegria quando me viu. Foram dias maravilhosos mas em que o tempo passou rápido demais. De qualquer forma, deu tempo de ver como tudo com nós dois era perfeito. Demasiado perfeito. Tão divino que fiquei dependente dela. Foi muito doloroso ter de partir e deixar a minha “pêsseguinha”. Quando regressei e fiquei longe dela já nada me bastava. Os dias já não tinham cor, nada me alegrava, o meu único consolo era telefonar-lhe e pelo menos ouvir a sua voz meiga e doce que me dizia que tivesse paciência pois melhores dias viriam. Comecei a sofrer muito. E a sentir que ela não me estava a levar a sério outra vez. Falava-me de futuro e de diferença de idades, quando tudo o que eu queria era dar-lhe o que estivesse ao meu alcance, partilhar com ela todo o meu ser, estar com ela. A minha vida deixou na altura de ter importância. Só ela contava. E ela fazia-me sentir novamente um menino com conversas irónicas. Era capaz de deixar tudo por ela e ela ria-se de mim. E isso doía-me. Doía-me muito. Tentei usar outras pessoas para a esquecer. Não resultou. Não me saia do pensamento nem por um momento. Sofri muito. Sofri mesmo. E decidi usar o caminho mais fácil para a esquecer: ignora-la fingindo que ela já nada me dizia. Sei que foi uma forma cobarde de me afastar e de a afastar. Mas para minha “legítima” defesa teve de ser. Hoje penso que talvez ela tivesse razão. Mesmo que não queiramos a idade, formas de vida e distâncias marcam a ferro e fogo qualquer existência humana. É mais cómodo recorda-la e deixar que ela me recorde assim. Como um perfume intenso que deixará bons odores para sempre. E depois fica a musica e a intenção dos Anjos"...

 

 

Maria Lua

 

publicado por MariaLua às 18:17