Foto: Zelinda Hypolito
Acredito que tenhamos vindo a este mundo para aprender e compreender a liberdade. Como aqui existe a polaridade para que possamos compreender e viver a liberdade, devemos antes conhecer a "não liberdade", ou melhor, a limitação.
O início da "não liberdade" começa quando nascemos. Quando entramos no nosso corpo, passamos a conhecer o limite físico. Entramos neste planeta com uma constituição pre-determinada, com várias tendências físicas pré-estabelecidas, a famosa e conhecida "matriz de crescimento".
Nascemos com uma determinada cor de olhos, com a possibilidade de certa altura; já temos uma tendência para ser mais ou menos gordo, para ter a visão mais ou menos perfeita, algum ou nenhum defeito físico, uma capacidade intelectual maior ou menor, etc. Nascemos dentro de uma determinada família, com nível "sócio-económico-cultural" já estabelecido, o que nos coloca dentro de uma "possível casta" com estruturas bem definidas. Este facto pré-dispõe (não é erro gráfico, é a ideia...) as nossas facilidades ou dificuldades em vários níveis. É conhecido o papel importante de uma alimentação adequada como factor predominante no desenvolvimento físico e intelectual de uma criança em período de formação. Isto vai, de certa maneira, determinar o seu nível de aprendizagem, compreensão e dinamismo no período escolar. Falando em termos escolares, também o factor "sócio-económico-cultural" da família vai facilitar ou não o seu acesso aos estudos. Uma família abastada pode garantir aos seus filhos boas escolas, faculdades, cursos (até no estrangeiro) que vão dar-lhes uma maior possibilidade de se saírem vitoriosos na grande luta competitiva que existe em termos de trabalho. Também a facilidade financeira permite a aquisição de materiais específicos como livros, material de pesquisa, etc. Isto sem falar das muitas oportunidades de vivência e experiências através de viagens e conhecimento de pessoas que podem ser importantes agentes facilitadores para futuros trabalhos e empreendimentos. Nas limitações de ordem física, é óbvio que a vida moderna e a ciência podem "criar" verdadeiros milagres nesta área. Se a cor dos nossos olhos não nos agrada, por exemplo, podemos mudá-la graças a umas lindas lentes de contacto; se estamos acima do peso desejado podemos fazer um excelente regime com um nutricionista; um cirurgião plástico pode fazer incríveis transformações no nosso rosto ou corpo. Porém, todas estas mudanças e renovações, também são determinadas pela sua situação financeira que vai reflectir a sorte que lhe coube no nascimento (família abastada) ou na sua capacidade de trabalho e remuneração. Ainda nos deparamos com o "doído" (ou doido?) limite emocional. Dependendo da família em que formos inseridos, participaremos de uma dinâmica e receberemos uma estrutura emocional que irá predispor a nossa maneira de encarar o mundo e a possibilidade de um equilíbrio emocional mais ou menos estável. Isto determinará o nosso comportamento diante das situações que a vida nos apresenta em termos de relacionamento social, profissional ou afectivo.
Todas as famílias têm certas características particulares que vão promover, incentivar, auxiliar, facilitar, dificultar ou punir certos tipos de comportamento individual que "combinam ou não" com a sua dinâmica. Em oportunidades futuras, passaremos por situações similares quando estivermos noutros "tipos de guetos" como a nossa escola, o clube que frequentamos, a igreja que seguimos, o partido político que nos filiamos, etc.: o eterno drama da co-dependência. Se não bastasse tudo isto, que por si só, já é dose para leão, ainda temos os "travões" que existem no nosso inconsciente, estes, mais difíceis de serem removidos do que qualquer outra coisa. Porque dizemos com tanta convicção que esses travões são os mais difíceis de serem vencidos? Muito simples! Porque como nem sabemos da sua existência, não temos acesso a eles, que agem de maneira autónoma.
Você já tentou lutar contra um fantasma? É impossível, porque você não sabe onde ele está, nem mesmo se ele existe. Para que possamos lutar é preciso, em primeiro lugar, sabermos que o inimigo existe. Comprovada a sua existência, devemos saber onde está e qual a forma de atingi-lo. Porém, se nascemos com todas estas dificuldades e limitações, é para que possamos descobrir e aprender que esses limites existem para que nós possamos desafiá-los e ultrapassá-los; para que percebamos que nada neste mundo pode nos prender, excepto nós mesmos.
O autor Richard Bach, no seu livro "Ilusões" diz: "O pecado original é limitar o Ser. Não o faça. Valorize suas limitações e, por certo, não se livrará delas". Nenhum limite imposto é tão inexpugnável que não possamos derrubá-lo ou ao menos contorná-lo. Se uma vontade surgiu dentro de nós, de alguma maneira pode ser satisfeita. Quando digo Vontade, não estou a referir-me ao desejo efémero, mas sim àquela determinação de chegar onde se deseja, física, moral, intelectual, social ou espiritualmente. Porém, este caminho para a conquista demanda concentração de energia num esforço pessoal.
Existe um conto antigo que fala sobre um rapaz que queria aprender o caminho da espiritualidade. Para isso ele saiu em busca de um monge que morava nas montanhas. No caminho, ele passou na casa de sua mãe para cumprimentá-la, depois encontrou os amigos que se divertiam e, por fim, viu na rua uma prostituta. Distraído com os seus pensamentos, ele chegou ao mosteiro. Perguntou pelo monge e indicaram-lhe um velho de barbas brancas sentado à beira de um espelho de água. Ele aproximou-se, pediu permissão para se sentar ao seu lado e começou a falar da sua intenção. Disse ao monge que gostaria muito de aprender com ele, de escutar a sua sabedoria, de desenvolver a sua espiritualidade. O monge, que escutava o rapaz, quieto, atento e calmo, de repente, numa atitude completamente inesperada, agarra o rapaz pela cabeça e afunda-o na água. Este, sentindo que ia se afogar, debatia-se desesperadamente, mas o monge não cedia. Depois de um tempo, que para o rapaz pareceu uma eternidade, o monge soltou a cabeça do jovem buscador. O moço, depois de se restabelecer do susto, ainda estarrecido, pergunta com a voz trémula:
- Porquê mestre? Eu vim buscar a espiritualidade e o senhor quase me afogou!
O monge, na mesma atitude tranquila e impassível iniciou um diálogo com o rapaz:
- O que é que pensaste quando eu coloquei a tua cabeça dentro da água? O rapaz assustado responde:
- Quando eu estava a vir para cá, vi uma prostituta e então, pensei que nunca iria conhecer o que é o amor.
- Perfeito responde o monge e depois, no que pensaste?
- Depois - disse o rapaz excitado - pensei que não ia mais divertir-me com os meus amigos.
- Óptimo - aprova o monge - e depois?
- Depois pensei na minha mãe - disse o rapaz triste - pensei no desespero que ela sentiria quando soubesse da minha morte.
- E o que mais pensaste? - Pergunta o monge mais uma vez.
- Depois eu não pensei em mais nada, eu só queria respirar!
- E depois? - Pergunta mais uma vez o monge.
- Eu já disse - responde o rapaz um tanto abalado - eu só queria respirar!
- E depois?- Insiste o monge.
- EU SÓ QUERIA RESPIRAR!!! Responde o rapaz aborrecido.
O monge olha demoradamente o rapaz e dá o veredicto final:
-Quando quiseres a espiritualidade tanto quanto foi a tua vontade de respirar, volta aqui pois estarás pronto(...).
Eu contei, ou melhor, "recontei" esta história para que entendam o que é a vontade e o quanto ela difere de um simples desejo. Esta Vontade (que coloco em letra maiúscula como uma atitude de respeito), e que nos faz vencer as barreiras, os limites, as dificuldades que a vida nos impõe. É por Ela que nos diferenciamos de toda e qualquer outra criação da Vida.
Considere os limites não como um fim, mas como um meio para treinarmos a nossa inteligência e perspicácia para encontrarmos um caminho alternativo. Mas, para que isso aconteça, lembre-se que deve utilizar os conceitos e aprendizagem antigos como um caminho para as soluções novas e não como um entrave. Livre-se do determinismo e livrar-se-á do "impossível".
Todos conhecem casos de pessoas mutiladas que pintam, desenham, tocam instrumentos melhor do que outras que tem todos seus membros perfeitos. A dificuldade, para elas, serviu não como um agente limitador, mas como uma alavanca para que procurassem uma alternativa, uma solução diferente da usual. A situação "económica-sócio-cultural" talvez, de todas, seja a mais fácil de ultrapassar, principalmente no mundo ocidental. Temos mil exemplos de pessoas que vieram de um meio pobre e se tornaram em grandes empresários, industriais, líderes económicos e políticos.
Encontramos, também, muitos escritores, pensadores, filósofos, cientistas e sábios, oriundos de famílias completamente destituídas de educação e cultura. Já a libertação emocional é bem mais complicada. Libertar-se de uma dependência emocional, seja ela de uma pessoa, de uma situação, de uma posição alcançada, de um objecto ou de um determinado comportamento que temos, é tarefa para super-homem... A busca emocional é a busca do reconhecimento da sua existência através do outro. Tudo ou todo aquele que lhe "provar" que "VOCÊ" está vivo, através da atenção que consiga receber (seja positiva ou negativa) tende a tornar-se indispensável à sua sobrevivência. Esta necessidade criada pode se tornar tão forte que toma o ponto principal da sua vida, às vezes de uma maneira tão distorcida, que tudo o mais é colocado em segundo plano, até e principalmente, o seu Eu Real. Aquele que diz: "Sem você eu não existo", está realmente a falar a verdade pois ainda não conseguiu a sua individuação, sua identidade, seu reconhecimento próprio. Ele depende do outro, pede emprestada a vida do outro para poder sentir-se vivo, isto, porque ainda não se construiu.
Para se libertar, é necessário muito reconhecimento, muito confronto, muita destruição de máscaras, muita construção individual, muita honestidade consigo próprio. O que nos anima, é que vemos muitas pessoas que "não podiam viver sem o Joaquim", "sem o BMW", "sem o seu Dr.", "sem os seus discos e livros", descobrirem, na "hora H", que não só podem continuar vivendo sem eles, como podem até viver tão bem ou melhor, se realmente desejarem.
A última barreira e a mais difícil, é a libertação de nosso inconsciente. Alguns comportamentos indesejáveis podemos, com esforço, transmutar. Com outros, a dificuldade é maior porque não temos a chave, ela foi perdida num tempo e num espaço ao qual não temos acesso conscientemente. Aqui chegamos a um campo que antes era restrito aos meios esotéricos: a busca do material que jaz no nosso inconsciente (seja ele do tamanho e do tempo que for). Esta busca pode ser feita mediante treino, um processo "mágico" interior ou com o auxílio de um profissional especializado nesta área. Quando há a consciencialização do agente detonador do processo indesejável, este passa a ser controlável e não controlador. As coisas só existem para nós, a partir do momento em que lhes damos reconhecimento. Se você acreditar numa coisa ou num conceito, eles existirão para si. Se você não acreditar na limitação, ela não existirá. Você poderá então, ser livre... Seja do tamanho que for, as barreiras existem para que nós as derrubemos. Duas coisas não podem ocupar o mesmo lugar no espaço (pelo menos nesta escola-matéria em que estamos). Portanto, devemos destruir algo para que outra coisa possa ser colocada no seu lugar.
Se quisermos alcançar a liberdade, ultrapassar a limitação, devemos destruir, dentro de nós, a pseudo-segurança trazida pelo medo, pela acomodação, pela cegueira, pela rotina e pelo tédio. Nem sempre é fácil, mas é possível... Não deixe que as máscaras do mundo o enganem:
VOCÊ É UMA ESTRELA FAÇA COM QUE A SUA VONTADE: BRILHE...