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Às vezes o amor converte-se mesmo em palavras com asas e significados... e viajamos no tempo sentindo-nos reis de nós mesmos por o "pior" já ter passado (...) Amo-te mãe.

 

  

  

"Olhei-me outra vez ao espelho e limpei as lágrimas no lenço de papel já muito molhado. Não! Definitivamente aquela não podia ser a minha imagem. A imagem que o espelho reflectia não podia ser a da menina que há uns anos de tranças brincava com madeiros e sonhava bonecas e mesmo assim sorria... Aquele véu e grinalda não me pertenciam, eram de outra de certeza. E por isso não sabia o que fazia com eles, não queria usa-los. Nesse momento o meu maior desejo era recolocar as tranças. E tive uma grande certeza: queria continuar a sorrir e a crer no poder das flores. Vieram-me à memória imagens da minha infância: corridas livres pelos campos verdejantes, subidas às árvores, o cheiro da erva, o barulho da água entre as pedras e aquele sol de antigamente que parecia até não ser o mesmo que espreitava hoje, naquele exacto momento pela janela. Queria ser eu própria, dedicar-me a um ideal que me fizesse feliz. Olhar o mundo e suas preocupações e sorrir crendo que o dia seguinte seria melhor que o anterior. E daquela forma achava que isso era impossível. Tinha passado por tantas dores e solidão no passado. Lembrava-me agora da miséria e fome passadas, do esforço doloroso e sofrido de meus pais que haviam regado com seus sangues e suores os campos do Alentejo para que eu tivesse uma vida mais cuidada do que eles. Lágrimas de insegurança e de desespero invadiam-me a alma e espalhavam-se sobre o acetinado do vestido imaculadamente branco como branca era a minha alma. Tanto tempo na espera, acreditando que o amanhã seria melhor que o ontem para agora chegar a isto e ficar assim tão perdida de mim própria. De repente uma lembrança assaltou-me como se de um relâmpago se tratasse: Não podia pensar em mim... ser assim tão egoísta. Não era essa a minha formação religiosa! Desde a infância que me vinham ensinando que se deve sempre praticar o bem, como forma de agradar a Deus. Que fazer felizes os outros é sempre bem visto a Seus olhos, e o meu futuro marido precisava de mim. Era um ser triste e só, nunca encontraria sozinho as suas respostas. Era este de certeza o desafio que o meu Deus me estava fazendo. Tinha que lhe corresponder. E foi com este pensamento que a pouco e pouco fui aceitando o meu “destino” e esquecendo os meus sonhos. Deus ficaria realmente contente comigo se o fizesse. Limpei definitivamente as lágrimas e enfrentei corajosamente o meu "Calvário". Caminhei até ao altar e corajosamente disse o SIM. Uma mártir! Tal e qual aquela imagem deturpada que me deram de Deus. O que nunca ninguém me explicou é que esse “Deus” que faz com que seres puros e simples se “condenem” a si próprios numa existência não desejada para Seu contentamento não é aquele menino que nasceu á Dois mil e tal anos numa manjedoura como símbolo de simplicidade, humildade e humanidade, mas sim um Deus criado á imagem dos homens, que por egoísmo, crueldade e comodidade destes interessa fazer-se propagar".

 

Maria Lua

publicado por MariaLua às 13:50